O Porto Canta: celebrando Resende Dias - Fonoteca Municipal do Porto

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O Porto Canta: celebrando Resende Dias

 Ana Lopes

Percurso

20 Junho 2024

Os Santos Populares são uma celebração profundamente enraizada na cultura portuguesa, na qual a música desempenha um papel preponderante. No Porto, onde o São João é celebrado com afinco, é pertinente recordar um filho da terra, responsável pela composição de inúmeras marchas e canções populares: António Martins da Silva Dias, conhecido artisticamente como Resende Dias. Nesta quadra, onde a folia contagia as ruas da cidade, culminando na celebração da noite mais longa do ano, é muito provável que se ouça uma música da sua autoria numa rádio local, num arraial popular ou até mesmo ao passar por uma viela qualquer.

Resende Dias demonstrava uma clara habilidade para capturar a essência autêntica e vibrante das festas sanjoaninas, harmonizando os ritmos equilibrados e alegres da música com a simbologia das letras. De facto, deixou um legado inestimável, contribuindo significativamente para a transmissão de valores culturais e sociais, assim como para o enriquecimento destas tradições. Além da Cantiga de São João (1960), que recebeu a primeira menção honrosa no Concurso do Secretariado Nacional de Informação e do Emissor Regional do Norte, Resende Dias foi responsável por várias composições aclamadas como Grande Marcha de São João. Entre elas destacam-se O Porto Canta (1969), S. João Tripeiro (1971) e Cravo Rubro (1973), obras imortalizadas pelas mais conceituadas vozes femininas da época. Outras canções como Prece a S. João, S. João de Sempre, O Porto é Festa e S. João de Toda Gente, continuam com o poder de envolver e animar gerações de foliões até aos dias de hoje.

Neste contexto, é importante destacar que Resende Dias expandiu o seu escopo além das composições voltadas para o Porto, alcançando também reconhecimento em eventos de marchas populares em outras regiões do país. Um exemplo notável é a sua canção Pingo de Sol (1971) amplamente divulgada pelas vozes de Alice Amaro e de Maria da Fé, que conquistou o primeiro prémio nas competições lisboetas. No âmbito discográfico, merece destaque a edição, pela Rapsódia de um EP intitulado Marchas de Santo António da Sé de Braga, com direção e composições da sua autoria.

Nascido a 25 de abril de 1916, na freguesia da Vitória, Resende Dias foi o primogénito de quatro filhos. Herdou o talento musical dos pais: Manuel Dias, comerciante e músico amador, e Emília Resende, cuja vida foi dedicada ao ensino e à música. Inicialmente instruído pela mãe, prosseguiu os seus estudos no Conservatório de Música do Porto, onde frequentou as classes de violino, piano e composição, concluindo o curso superior de violino com alta classificação.

Na juventude, Resende Dias deu os primeiros passos na escrita e produção musical, revelando um enorme talento. Iniciou com números infantis para os periódicos portuenses Jornal de Notícias e O Primeiro de Janeiro, e posteriormente, colaborou com revista O Papagaio. Mais tarde, em parceria com a mãe e os irmãos, fundou a Rádio Clube Infantil, onde criava conteúdos, apoiava cursos de música e dirigia os espetáculos e programas radiofónicos.

Ao longo da sua extensa e conceituada carreira, Resende Dias dedicou-se essencialmente a três ofícios: maestro, compositor e executante. Numa entrevista concedida à revista Rádio e Televisão (14/12/1968), ao ser questionado sobre qual dessas atividades era a sua predileta, respondeu: “Compor é, de facto, o que mais me encanta, não só por mera satisfação mas também por o meu trabalho poder ser aproveitado por outros. Daí a alegria que sinto quando um artista triunfa com uma canção que eu escrevi. Essa alegria, creia, é o meu maior estímulo”. Noutra conversa, com a mesma publicação, Resende Dias expressou a sua preferência pelo género musical: “O ligeiro e ritmado, embora não dispense as composições de sentido melodioso. Cito-lhe dois exemplos: Ser Feliz, um fox género americano, e Doce da Teixeira, um número popular cheio de ritmo” (Rádio e Televisão, 21/11/1959). Questionado como realizava o seu trabalho de composição, respondeu: “O meu principal inimigo é a falta de tempo, e, por isso, é no próprio ambiente familiar, nada sossegado como sabe, que escrevo a maior parte“ (Rádio e Televisão, 21/11/1959).

Descrito como uma pessoa afável e de boa disposição, Resende Dias destacou-se como um dos grandes compositores da música popular e ligeira no nosso país. Membro da Sociedade Portuguesa de Autores desde 1935, deixou um vasto portefólio, com muitas das suas músicas interpretadas e gravadas por diversos cantores nacionais.

Resende Dias marcou presença frequentemente como autor em festivais regionais, nacionais e internacionais, arrecadando inúmeros prémios. Destacam-se as seguintes participações na década de 1960: Regresso (1960), que recebeu a Filigrana de Prata no II Festival da Canção Portuguesa e projetou António Calvário para o estrelato; Figueira (1963), cantada por Simone de Oliveira e vencedora do Festival da Canção da Figueira da Foz; Amor (1965), interpretada por Artur Garcia, que alcançou o segundo lugar no II Festival RTP da Canção; Anda ver o mar (1966), premiada com o terceiro prémio no II Festival Hispano-Português da Canção do Minho e amplamente divulgada pela voz de Natércia Maria; Não quero dizer adeus (1968), interpretada por Lenita Gentil e primeiro prémio no Festival Hispano-Português da Canção de Aranda do Douro.

“Fervoroso admirador da música portuguesa” (O Primeiro de Janeiro, 5/02/1983), participou com assiduidade como compositor e diretor de orquestra no teatro de revista, tanto no Porto como em Lisboa, sendo autor de cerca de três dezenas de revistas. A sua estreia ocorreu com Papas de Serrabulho (1948), no Teatro Sá da Bandeira, seguida por várias produções como Catraias e Vinho Verde, Ó Zé Arreganha a Taxa e Ora Bolas Pr’o Pagode.

Apaixonado por crianças, Resende Dias foi também um profícuo produtor de música infantil, participando em diversos concursos, como a Gala Internacional dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz e o Festival Rabelo D’Ouro no Porto. Importa destacar a vitória absoluta no quarto festival figueirense, com a canção Beijinhos (1982), integralmente da sua autoria, que arrecadou também o prémio de melhor letra.

Durante a sua trajetória, Resende Dias escreveu algumas letras, mas destacou-se especialmente pela sua colaboração com diversos letristas, sendo a parceria com o também portuense José Guimarães particularmente frutífera. Juntos, criaram verdadeiros hinos da cidade Invicta, como Porto à noite, Porto Cidade e O Porto em meu olhar. Esta sinergia originou igualmente grandes êxitos da música portuguesa, alguns deles disseminados pela voz de Florência, tais como Moda da Amora Negra e De Rosa ao Peito, esta última recentemente difundida por Mariza como Rosa Branca.

Apesar de nos focarmos no seu percurso como compositor, é crucial destacar que Resende Dias teve uma trajetória significativa noutras áreas. Na rádio, dirigiu programas de variedades, assim como organizou espetáculos dos Serões para Trabalhadores, promovidos pela delegação do Porto da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). Além disso, desempenhou um papel crucial como mentor e impulsionador de diversos artistas, com especial foco na região Norte.

Com uma vida dedicada à música e, em certa medida, ao Porto, Resende Dias é uma personalidade injustamente pouco recordada. No decorrer da carreira, devido à sua notabilidade, recebeu diversos convites para se estabelecer em Lisboa ou até mesmo no estrangeiro. No entanto, numa entrevista concedida ao jornal O Primeiro de Janeiro (5/02/1983), salientou: “afinal, aqui no Porto era e sempre tem sido o meu mundo”. Em 1991, praticamente no final da vida, durante a sua participação no programa da RTP intitulado O que é feito de si?, Resende Dias reiterou: “como não podia deixar de ser, estou no Porto. Aqui trabalho, o que não quer dizer que o meu trabalho não vá por aí adiante… Não tem paragem”. Falecido há mais de 30 anos, no dia 28 de janeiro de 1992, chegou a hora da cidade Invicta expressar gratidão à sua lealdade, reconhecer o homem/talento e celebrá-lo.

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