Canto ecuménico - Fonoteca Municipal do Porto

Fonoteca Municipal do PortoFMP

Canto ecuménico

Pedro Junqueira Maia

Resenha

16 Setembro 2022

Filipe Pires
Não sendo propriamente extensa a produção de Filipe Pires no género electroacústico (se o seu catálogo oficial compreende 68 obras, em apenas 10 se socorreu da vertente), ficaram, no entanto, essas suas criações como históricos documentos de referência, não só na sua própria atividade como compositor mas também na História da Música em Portugal. Das três peças inseridas neste registo, duas foram ainda trabalhadas aquando a sua estada em Paris no início dos anos 70, a terceira, a primeira do disco, foi já elaborada em estúdio próprio do compositor. É precisamente esta – Canto Ecuménico – que especificamente se acerca dos planos sonoros das músicas tradicionais extra-europeias, hoje conhecidas como músicas do mundo, matéria da qual o compositor era profundo conhecedor.
 
Elaborada a partir de técnicas regularmente reconhecidas como de “corte” e “costura”, Canto Ecuménico (1979), parte de um tema religioso que consubstancia, e recorrendo a palavras do compositor, uma “aproximação comparativa de músicas tradicionais autênticas de áreas culturais e de estilos muito diversos”. Para esta seminal criação, Pires socorreu-se das coleções de discos Atlas Musical e Sources Musicales editadas pela Unesco (instituição onde exerceu funções), a partir das quais recolheu 76 amostras e selecionou 46 que serviriam de material para a cozedura do trabalho. São gritos guturais, gritos yodl, clusters vocais que, planificados por opções próprias de montagens ou justaposições distintas, resultam numa nova dimensão sonora. A obra estreou-se em 1980, em Paris, no extinto Théâtre Présent, como parte de um bailado da companhia de Aline Roux.

Litania, segunda obra do álbum, concluiu-se vários anos antes (1972) e investiga o fenómeno sonoro obtido por percussão e fricção de uma folha e de um fio de aço, propondo um discurso a partir de técnicas de captação que relevaram variados detalhes da configuração do som/ruído inerentes. Importa ainda referir que a composição partiu de uma improvisação instrumental que foi controlada por efeitos específicos de montagem desses alargados resultados dos modos vibratórios obtidos. Há ainda em Litania, assim como o era já recorrente em Canto Ecuménico, a utilização de formas iterativas, particularidade da música repetitiva norte-americana, que denotam a abertura do compositor a várias técnicas ou estéticas musicais.

A derradeira obra do registo – Homo Sapiens –, desenvolvida no mesmo ano de Litania e que propõe a voz humana como material de pesquisa, trata da revisão de uma coreografia musical realizada para o bailado Nam Ban (O Estrangeiro). Reconhecida como a génese da música concreta em Portugal, Nam Ban fora encomenda do Secretariado Português da Exposição de Osaka (Japão), mas Filipe Pires pouco tinha ficado agradado no seu resultado final. Optou mesmo por não se deslocar à estreia, registando inclusive a sua frustração numa entrevista concedida ao matutino Diário Popular: “Não me senti satisfeito com a realização artística concebida para o bailado.” (31/08/1970). Aproveitou no entanto os materiais para elaborar esta definitiva versão – Homo Sapiens –, que se deu em estreia em 1973, na Fundação Gulbenkian, a par da anterior Litania.
 

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