Rebita 75 - Fonoteca Municipal do Porto

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Rebita 75

André Forte

Resenha

07 Abril 2021

O período de hegemonia cultural que a música angolana vive é singular na sua história, mas não aconteceria sem o peso desta e sem o período dourado dos anos 60. Ainda enquanto território ultramarino, as primeiras afirmações da identidade nacional do país aconteciam na música por via do Festival da Canção, e graças ao talento das bandas que suportavam os vários intérpretes e cantores que atuavam no mais importante palco do país. Esta é uma história da prevalência do ritmo sobre a melodia, do dialeto quimbundo sobre o português, e dos primórdios de um amor-próprio que levaria do semba, ou rebita, e do merengue ao tarraxo, ao kizomba e ao kuduro que ditam o andamento da diáspora africana em Portugal.

Consequentemente, é esta história que serve de sedimento para a identidade africana das gerações de migrantes que agora levam a sua identidade subsariana como principal exportação cultural deste canto da Europa para o mundo, e a que poucos ficam indiferentes. Essa história ficou escrita nas ranhuras do disco que sucedeu ao primeiro registo gravado, produzido e prensado em Angola, este que aqui abordamos: Rebita 75, que continua no legado da celebração de angolanidade sonora de Rebita 73.

Este long-play compilou música de alguns dos nomes mais fundamentais do semba pré-independência, que carregam a herança dos pioneiros Liceu Vieira Dias e Elias Dya Kimuezo e que determinariam a direção da música Angolana de ora em diante. Os Kiezos, Jovens do Prenda, Os Bongos, Artur Nunes e António Paulino assinaram dois temas cada (distribuídos irmamente pelos lados A e B do disco) representativos do abrasivo som de Luanda: guitarras ondulantes e cantantes sobre o ritmo n’goleiro, cantado ora em português, ora em quimbundo (um dos dois principais dialetos bantu falados em Angola), e apelando ao que define o mwangolé — farras na madrugada, festas de sanzala, avós dançantes, aventuras e desventuras nos bairros mais emblemáticos da capital, como o Kazenga ou o Prenda, ou as maleitas da vida (“Uaué, mwagolé” canta Artur Nunes, musicando uma interjeição de preocupação típica do quimbundo). É, de resto, na relação entre guitarra e batuque que nomes como Kiezos e Jovens do Prenda se afirmavam, com as linhas melódicas em constante renovação, quase em solo ininterrupto, sobre uma polirritmia eletrizante.

Os anos 60 abriram o caminho para a identidade nacional angolana se afirmar na sua música, que se desdobraria com orgulho pelos seus ritmos e pelos seus timoneiros. Os Kiezos ainda gozam de fama nacional, os Jovens do Prenda marcaram gerações de mwangolés e d’Os Bongos surgiram talentos afamados nos anos 80 e que ainda se ouvem agora (Botto Trindade, por exemplo colaborou com Carlos Burity e faz parte da Turma da Benção, de Paulo Flores, que acompanha Joãozinho Morgado em edições recentes).

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