O peso da sombra: A poesia de Eugénio de Andrade - Fonoteca Municipal do Porto

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O peso da sombra: A poesia de Eugénio de Andrade

Gonçalo Tavares

Resenha

16 Novembro 2023

Luís Cília
Luís Cília é, segundo o próprio, “um ilustre desconhecido em Portugal”. O seu percurso criativo expõe-se em 18 discos, entre incursões no nosso cancioneiro tradicional, música interventiva e uma série de LPs onde “musica poesia”. Sinais de Sena, Penumbra ou La poésie portugaise de nos jours et de toujours, entre outros registos, dão-nos a oportunidade rara de ouvir uma seleção de escritos de poetas célebres nacionais com uma direcção musical singular. No centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, redescobrimos O peso da sombra: A poesia de Eugénio de Andrade (1980).

Este disco traz o mistério e fisicalidade de 8 poemas de Eugénio de Andrade guiados pela voz clara de Luís Cília, acompanhado por arranjos frondosos, impregnados de movimento. “Pôs-te no sonho onde havia apenas silêncio de rosas por abrir”, escreve Eugénio, canta Luís em Fecundou-te e serve de analogia: as estrofes abrem-se ao som como uma flor. A qualidade nostálgica desta poesia ilumina-se com o tratamento sonoro.

O compositor faz-se acompanhar de guitarras em arpejo, baixo elétrico e pontuais violinos, violas d'arco, violoncelos e sintetizadores. A par da cor tímbrica, o grande destaque musical vai para o referido movimento. Reside nas progressões harmónicas, dotadas de agilidade, e nas melodias, que se desprendem do ritmo inerente dos versos ao mesmo tempo que não enfraquecem o seu significado.

Destaque para Adeus, belo momento de intimidade encorpado nesta voz cuidadosa: “Como se houvesse uma criança cega; aos tropeções dentro de ti, eu falei em neve – e tu calavas; a voz onde contigo me perdi.”

A abordagem do cantor aos textos é contudo muito distinta e ainda mais interessante nas faixas que terminam cada um dos lados do LP: Olhos postos na terra e O peso da sombra. Pequenos ensaios sonoros, Luís Cília recorre à manipulação áudio antes de iniciar a declamação. Estas secções de 5-7 minutos são compostas por efeitos eletroacústicos a simular a natureza, ruídos elétricos de diferentes texturas, coros improvisados de vozes replicadas. Antes de ouvirmos o poema e a verbalização de certas sensações, já Cília as explorou em som, dando uma nova vida à carga poética.
No entanto, o cantautor nunca retira peso às palavras originais. O Peso da Sombra é uma janela musical, florida e cheia de luz, à obra de Eugénio de Andrade.

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