14 Abril 2022
Milton Nascimento & Lô Borges
Um disco – tal como um livro – não deve ser julgado pela capa. O adágio é certeiro, mas se existir apenas uma notória exceção essa terá que ser Clube da Esquina, trabalho que Milton Nascimento e Lô Borges lançaram na brasileira Odeon, em 1972. Naquela foto de Carlos da Silva Assunção Filho, Cafi para os amigos, está todo o Brasil daquele tempo, um autêntico manifesto para o futuro: dois meninos, um branco e outro negro, sentados num pequeno monte de terra, um deles descalço, com arame farpado sobre as suas cabeças, o verde da vegetação e o amarelo da poeira em fundo. Um depósito de símbolos num único clique a que Cafi não resistiu quando, ao passar com o seu carocha naquela estrada de terra de Rio Grande de Cima, viu Tonho e Cacau ali sentados: “Foi como um relâmpago. É uma imagem forte. A face do Brasil. E isto num tempo em que muitos artistas estavam no exílio”. O Brasil viveria ainda sob ditadura até 1985 e a música era espaço de resistência e liberdade.
1972 produziu música incrível: Vento Sul de Marcos Valle, Banguelé dos Free-Son, Estrelando Embaixador da Tribo Massáhi, Para Iluminar a Cidade de Jorge Mautner, Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida de Rita Lee ou trabalhos homónimos de Jards Macalé, Arthur Verocai, Nelson Angelo e Joyce, Alceu Valença & Geraldo Azevedo, Lô Borges e Manduka (todos listados no primeiro dos três volumes já publicados de Lindo Sonho Delirante, os excelentes livros de Bento Araújo que reúnem os mais importantes discos do Brasil lançados entre 1968 e 2000), mas ainda assim Clube da Esquina alcançou um singular patamar de criatividade. O “clube” a que o título se refere, explica-nos Araújo na entrada que devota a este disco, situava-se em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, no cruzamento entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis: “ali estava a esquina onde amigos se encontravam para jogar conversa fora”. Além de Milton e Lô, havia também Beto Guedes, Toninho Horta, Fernando Brant, Wagner Tiso, Nelson Angelo, Tavito ou Robertinho Silva, entre outros. Todos eles com créditos no álbum.
A sobrevoar a música conjurada pela dupla e arranjada de forma sublime por grandes como Eumir Deodato e Wagner Tiso, estava, pois claro, a inclassificável voz de Milton: profunda e angélica ao mesmo tempo, capaz de sussurro e de trovão, uma voz que Elis Regina em tempos equiparou à de Deus, caso Ele cantasse. E a música? Um autêntico e irrepetível híbrido cultural: negra e branca; americana e europeia; acústica e elétrica; popular e erudita; moderna e clássica; Beatles e Dylan; Miles e Coltrane; bossa e rock psicadélico; céu e terra; luz e escuridão. Encontro de contrários e de amigos. Harmonização de vontades plurais. E entre o Cais, O Girassol da Cor do Teu Cabelo ou Um Gosto de Sol há um mundo que há 50 anos se descobre e há outro tanto tempo se volta a envolver em mistério. Porque esta é música que se sente, mas não se alcança.
1972 produziu música incrível: Vento Sul de Marcos Valle, Banguelé dos Free-Son, Estrelando Embaixador da Tribo Massáhi, Para Iluminar a Cidade de Jorge Mautner, Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida de Rita Lee ou trabalhos homónimos de Jards Macalé, Arthur Verocai, Nelson Angelo e Joyce, Alceu Valença & Geraldo Azevedo, Lô Borges e Manduka (todos listados no primeiro dos três volumes já publicados de Lindo Sonho Delirante, os excelentes livros de Bento Araújo que reúnem os mais importantes discos do Brasil lançados entre 1968 e 2000), mas ainda assim Clube da Esquina alcançou um singular patamar de criatividade. O “clube” a que o título se refere, explica-nos Araújo na entrada que devota a este disco, situava-se em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, no cruzamento entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis: “ali estava a esquina onde amigos se encontravam para jogar conversa fora”. Além de Milton e Lô, havia também Beto Guedes, Toninho Horta, Fernando Brant, Wagner Tiso, Nelson Angelo, Tavito ou Robertinho Silva, entre outros. Todos eles com créditos no álbum.
A sobrevoar a música conjurada pela dupla e arranjada de forma sublime por grandes como Eumir Deodato e Wagner Tiso, estava, pois claro, a inclassificável voz de Milton: profunda e angélica ao mesmo tempo, capaz de sussurro e de trovão, uma voz que Elis Regina em tempos equiparou à de Deus, caso Ele cantasse. E a música? Um autêntico e irrepetível híbrido cultural: negra e branca; americana e europeia; acústica e elétrica; popular e erudita; moderna e clássica; Beatles e Dylan; Miles e Coltrane; bossa e rock psicadélico; céu e terra; luz e escuridão. Encontro de contrários e de amigos. Harmonização de vontades plurais. E entre o Cais, O Girassol da Cor do Teu Cabelo ou Um Gosto de Sol há um mundo que há 50 anos se descobre e há outro tanto tempo se volta a envolver em mistério. Porque esta é música que se sente, mas não se alcança.