Música Sacra dos Monges Tibetanos - Fonoteca Municipal do Porto

Fonoteca Municipal do PortoFMP

Música Sacra dos Monges Tibetanos

Isabel Pereira

Resenha

16 Julho 2024

Templos de Bodh Gaya, Dharamsala e Swayambunath
Nos planaltos e mosteiros do Tibete, entre rituais e cultos de monges devotos, persiste uma forte tradição musical enraizada na herança cultural Budista. O Tibete, outrora dono de um império na Ásia Central tem na história dos seus últimos séculos ainda um dos mais atuais episódios da luta contra o imperialismo. Atualmente designado de região autónoma, sofreu várias divisões sociais, culturais e até geográficas durante o século XX. No Tibete, acredita-se que a música tem uma força secular, que cura e promove harmonia entre as suas comunidades. À civilização tibetana pertence um sistema de crenças baseado na veneração dos seus ancestrais, a quem a música desempenhava um papel central na tranquilização do espírito. A expressão musical a par das suas raízes e do entretenimento, é também uma forma de afirmar a identidade cultural de um povo face a uma ameaça à sua identidade, pluralidade e riqueza. Perante um contexto de repressão, a música faz-se resistência.
As civilizações da Ásia Central sempre colocaram muito ênfase no poder da fala, onde as palavras entoadas transcendem simples descrições do mundo objetivo. No Tibete, chama-se Zokkay o que poderemos caracterizar como um canto sagrado com um poder central e criativo enquanto instrumento de pensamento. É um canto de acorde completo, multifónico que gera frequências hipnóticas de grande impacto. O povo tibetano, singular em sua prática, mantém viva essa habilidade vocal ao longo dos séculos. 
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Gérald Krémer, no disco lançado em 1976, apresenta um field recording que esclarece esta forma de canto. O registo inicia-se com um sopro breve, assemelhando-se a uma trombeta, geralmente tocada em locais elevados, que gera uma vibração profunda. Duas vozes juntam-se e são acompanhadas mais tarde pela percussão. Os tambores emitem batidas robustas e ressonantes, enquanto os pratos metálicos (silnyen) e os sinos (drillbu) contribuem com sons desconstruídos tocados de forma cíclica. Esta sinergia entre tambores orienta o fluxo da meditação enquanto que os sinos e os pratos marcam momentos chave do processo. Os instrumentos Tibetanos são tão significativos quanto a voz nesta tradição. Na capa do disco destaca-se um instrumentos de sopro: gya-ling, semelhante a um oboé. Um aspeto peculiar do gya-ling é ser sempre tocado em pares para que o som nunca seja interrompido, mesmo quando um dos músicos faz pausa para respirar.
Dentro deste panorama cultural rico, onde a expressão vai além dos interesses musicais ocidentais e permanece numa vontade de manifestação ampla cultural, o field recording destaca a grande importância da arquivação e criação musical. Ao capturar em tempo real momentos sagrados e autênticos, oferece-nos um testemunho palpável de presença e participação no respetivo evento.

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