Marin Marais: Pièces de Viole du Second Livre - Fonoteca Municipal do Porto

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Marin Marais: Pièces de Viole du Second Livre

José Carlos Fernandes

Resenha

01 Julho 2021

Jordi Savall, Anne Gallet, Hopkinson Smith
O grande público só descobriu o universo da música para viola da gamba do barroco francês em 1991, com o filme Tous les matins du monde, de Alain Corneau, que ficcionava a relação mestre-discípulo entre Sainte-Colombe (c.1640-c.1700) e Marin Marais (1656-1728). Porém, o autor e intérprete da banda sonora deste filme, o gambista e maestro catalão Jordi Savall, desde meados da década de 1970 que vinha a assumir o papel de paladino deste repertório injustamente olvidado – e o momento fundador dessa “campanha” foi a gravação, em 1975, para a editora Astrée, de um disco consagrado ao II Livre de pièces de viole, de Marais, na companhia de Hopkinson Smith (tiorba) e Anne Gallet (cravo).

Marais compôs quatro óperas e publicou duas coleções de sonatas em trio, mas foi sobretudo pela música para viola da gamba, instrumento de que era um executante excecional, que conquistou um lugar na História da Música: os seus cinco livros de Pièces de viole, surgidos em 1686, 1701, 1711, 1717 e 1725, reúnem cerca de 600 peças para viola da gamba e acompanhamento de baixo contínuo (e algumas peças para duas e três violas), agrupadas numa quarentena de suítes (mas que cada intérprete poderá reorganizar consoante o seu gosto e as circunstâncias).

Das 142 peças do II Livre (1701), Savall selecionou 14 para o seu primeiro registo deste repertório, assim agrupadas:
1) Uma suíte em si menor, com 10 danças antecedidas por um prelúdio e seguidas por um tombeau, isto é, um lamento fúnebre (típico da tradição francesa de composições instrumentais), neste caso dedicado ao seu antigo mestre Jean-Baptiste Lully, que fora a figura dominante da música francesa no reinado de Luís XIV e falecera em 1687 (e que fora o dedicatário do I Livre);
2) Couplets de folies, uma sequência de 32 variações sobre Folies d’Espagne, um tema também conhecido como La folia, que foi muito usado no período barroco como material para variações e que, apesar da menção a Espanha no título, terá possivelmente origem numa dança portuguesa do século XV;
3) Les voix humaines, uma “pièce de caractère” de natureza intimista e melancólica, que pretende evidenciar a aptidão da viola da gamba baixo de sete cordas para emular as nuances e expressividade da voz humana.

Os 32 Couplets de folies, que, na versão de Savall, se estendem por mais de 18 minutos, fazem a singela melodia original passar por surpreendentes metamorfoses, que vão de uma fogosidade que faz pensar no flamenco, a uma profunda e irremediável dolência. Les voix humaines é uma peça serena mas intensa, cujo caráter intimista é realçado por Savall ter optado por um acompanhamento reduzido à tiorba.

Entre 1975 e 1992, Savall explorou os cinco livros de Pièces de viole, noutros tantos discos para a Astrée, que contribuíram decisivamente para colocar Marais no mapa do Barroco, e depois de, em 1998, ter fundado a sua própria editora, a Alia Vox, efetuou novas gravações do rico espólio das coleções de Pièces de viole. Foi também na Alia Vox que, em 2010, reeditou, numa caixa, os cinco discos de Marais registados para a Astrée, em versão remasterizada e em formato SACD. As gravações originais da Astrée eram de excelente qualidade, que é beneficiada pela alta resolução do novo formato.

Desde 1975, desabrocharam dezenas de gambistas talentosos (muitos deles foram alunos de Savall) e multiplicaram-se as gravações das peças de Marais, mas este registo pioneiro continua a ser uma referência.

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