Essa Palavra Mulher - Fonoteca Municipal do Porto

Fonoteca Municipal do PortoFMP

Essa Palavra Mulher

Sofia Rajado

Resenha

30 Junho 2023

Maria Guinot
Foi em 1988 que Maria Guinot lançou o LP Essa Palavra Mulher. Volvidos 35 anos, importa realçar este belo trabalho de uma pianista e cantora que foi brilhante no seu tempo e a quem, porventura, não é dado o devido valor.

Tornou-se figura conhecida ao vencer o Festival RTP da Canção em 1984, com Silêncio e Tanta Gente, embora já tivesse participado em 1981, com Um Adeus, Um Recomeço. Fez o Conservatório em piano e integrou o Coro Gulbenkian. A maioria das suas canções são poemas seus.

Essa Palavra Mulher reúne características aparentemente contraditórias, mas que só os grandes discos as contêm: ser reflexo do seu tempo e, simultaneamente, intemporal. Quando pouco se debatia sobre a situação das mulheres, Essa Palavra Mulher foi ousado só pelo seu título, tendo essa ousadia ainda maior ênfase em Contradições e na canção que dá nome ao LP. Composto por um Lado A e um Lado B, foi gravado no Angel Studios e os seus arranjos e composições são de Pedro Osório, também ele no piano e sintetizadores. Integram também o LP Yuri Daniel no Baixo, Fernando Ribeiro no Acordeão, António Serafim no Oboé, com produção de Maria Guinot e Pedro Osório e edição da autora, algo pouco usual. Conta com a participação especial de Fernando Tordo e de Paulo de Carvalho. Em duas músicas são homenageados José Afonso e Adriano Correia de Oliveira. 
 
Com uma mensagem muito forte, retrata a situação das mulheres na sociedade, numa tónica de denúncia que ainda se mantém muito atual e demonstra algumas das reflexões interiores de Maria Guinot, enquanto pessoa e artista. Inicia-se de forma impactante, sem medos, com Esta minha pena valeu a pena.
 
Na ótica musical, é um álbum brilhante que conduz os ouvintes para emoções fortes, sentimentos de epopeias. Encontra-se muito presente o estilo e estrutura da canção da época, com grandes composições e arranjos, que se traduzem em instrumentais e harmonias complexas que, simultaneamente, se tornam simples.
 
Nele podemos encontrar influências da canção de intervenção, das baladas com origem medieval, como na canção Porque choram os teus olhos, das marchas de cariz popular, como em Dança das meninas do meu bairro, de fado e até do chamado maxixe ou tango brasileiro, nos movimentos do piano na Balada das Meias Palavras. Caracteriza-o ainda uma tónica muito própria, algo inusitada e surpreendente, escutada nas canções acima referidas, pois iniciam-se num ritmo que, aparentemente, nos levaria por um caminho, mas que desemboca noutro distinto, percorrendo geografias musicais diferentes numa mesma canção. Este cenário musical envolve a voz intensa, certeira e única de Maria Guinot, com excelentes prestações dos restantes músicos, nomeadamente de Pedro Osório. 
 
É útil refletir por que motivo um disco com tamanha qualidade está quase esquecido na História. É impressionante como as suas letras continuam tão atuais e como a sua música é tão sensível e ao mesmo tempo tão enérgica. Essa Palavra Mulher é um álbum que questiona, que nos faz pensar, seja em 1988 seja na atualidade.

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