Coisas do Arco da Velha - Fonoteca Municipal do Porto

Fonoteca Municipal do PortoFMP

Coisas do Arco da Velha

 Gonçalo Tavares

Resenha

09 Maio 2023

Banda do Casaco
Coisas do Arco da Velha é o segundo álbum da Banda do Casaco, lançado em 1976. A mistura de influências e ideias que transporta está impressa na capa, onde vemos uma fotografia de família em torno de espelhos antigos, molduras lustrosas e roupas de um outro tempo. Antevemos a postura satírica do coletivo, o seu diálogo com o passado e a combatividade ancorada no seu presente: Coisas do Arco da Velha surge no rescaldo do PREC, estando nas letras patente o desejo de um Portugal mais horizontal. A descoberta musical do álbum nunca se dissocia da sua intenção política.

As três primeiras músicas partem de canções tradicionais portuguesas, cujo conteúdo é transvestido mas também utilizado como base de composição. Em Morgadinha dos Canibais sentimos o groove das vozes e do adufe antes de ouvirmos a melodia original numa flauta de pastor. O violoncelo virtuosístico de Celso de Carvalho acompanha Nuno Rodrigues e o double entendre com a obra de Júlio Dinis.
 
Em Ai Mê André o material folclórico floresce numa bela harmonização a duas vozes: Tenho vontade mãe. De bater asa e voar. Ficou-me o gosto de não estar. Olá Margarida traz um solo de guitarra inspirado na linguagem do Robert Frip, e uma imagética lírica que poderia vir do Herberto Hélder. Ao final do primeiro lado, percebemos claramente o cruzamento da escola do rock progressivo com a música tradicional onde habita o álbum.

Esta relação traz apontamentos curiosos ao longo da audição. Em Romance De Branca Flor, o cantar por cima das palmas e de um drone vocal são reminiscentes do hip hop num formato de trova. É Triste Não Saber Ler, numa pulsão etnográfica, começa por registar o canto sobre guizos de pastores, evoluindo para um diálogo entre um sintetizador e um violino processado. 

Em Coisas do Arco da Velha, a procura pela vanguarda musical e o respeito pela herança portuguesa são simbióticas. É aqui onde o LP vai buscar força. Por entre a incerteza política que se vivia aquando o seu lançamento, canta-se um Portugal futuro suportado nas diversas identidades nacionais. 
 
Na última música, Cantiga d'Embalar Avozinhas, uma criança embala docemente a sua avó. Da mesma forma, a Banda do Casaco tentava embalar o país.

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