24 Outubro 2024
“(...)o ‘pecado’ de se identificar consigo próprio, insensível ao fácil e de efeito imediato, assumindo uma marginal(idade) que dói por não ser justamente reconhecida”, escreve Mário Correia sobre o disco Marginal (1981) de Luís Cília no balanço anual sobre música popular portuguesa no Mundo da Canção (Fevereiro, 1982).
Ao longo da carreira de Cília falava-se de um grau de marginalidade — ou porque era pouco conhecido, ou porque a sua poesia era difícil, ou porque a sua música era cerebral. Em julho passado, entrevistei o próprio em sua casa onde recontou este tipo de crítica e um sectarismo e dogmatismo vindo de alguns grupos de oposição ao Estado Novo. Em Novembro de 1970 organizou-se um espetáculo na Maison de la Mutualité com José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Tino Flores e o Cília. No início da sessão, um grupo distribuiu um panfleto com o título Chora, camarada, chora a acusar os músicos de serem coniventes com o regime em Portugal e um “folk-lore pequeno-burguês.” Com a intenção de boicotar o concerto, tentavam interromper os músicos. Cília tocou primeiro e alguém do tal grupo mandou a provocação “Ó Luís, o que tu cantas, essa poesia a classe operária não compreende!”; ao que ele responde “Tu compreendes?”; “Sim, eu compreendo”; “Sabes, os gajos são uns burros.” O tom sarcástico não foi bem recebido. Cília criticava um paternalismo pequeno-burguês que existia no final dos anos 60 e durante a década de 70, vindo “de certo estrato social, de certos intelectuais, que vêem as coisas divididas entre operários, trabalhadores, etc.”. As músicas não seriam difíceis de compreender nos círculos imigrantes em Paris ou, em 1975, quando participou nas campanhas de dinamização cultural do MFA. A sua música mantinha-se igual a si mesma: “Eu não divido o público em estratos sociais. Eu divido o público em sensibilidades. (...) Não tenho um repertório para Lisboa e outro para a província.”
Cília recorta o sentido de “marginal” no pré e pós-25 de Abril. Durante o Estado Novo, ele não se considerava marginal precisamente porque havia uma opção política, da qual ele era opositor — boicotarem ou proibirem a sua música era expectável. Nos anos após a revolução, é alvo de boicotes culturais que impacta a difusão da sua música e organização de concertos. Porém, o próprio os assumiu e confrontou ao longo do tempo sempre através de uma música crítica, atenta, romântica, humorística e uma dose de “desencanto cáustico" (Mário Correia, Mundo da Canção nº63, 1983). Essa tática, ou maneira de fazer, já vinha desde o início da sua carreira. Uma forma que ao longo dos anos se torna mais evidente e complexificada pelo acrescento de outras ferramentas técnicas e artísticas.
O primeiro disco Portugal-Angola: Chants de Lutte é editado pela prestigiada Le Chant Du Monde em 1964. São dezasseis canções gravadas ao longo de uma tarde num estúdio em Paris. É o primeiro a cantar sobre o colonialismo português e isso não surge em vácuo.
Nascido em Angola, Cília chega a Lisboa em 1959 para acabar o liceu e começa a frequentar a Casa dos Estudantes do Império, onde também cantava rock, principalmente, e compôs o hino informal rock-swing C.E.I. Twist. É no ambiente “ultra-subversivo” da C.E.I., por onde também passaram Mário Pinto de Andrade ou Agostinho Neto, que começa a tomar consciência do problema político. Em certo dia, o escritor Alfredo Margarido leva-o à casa do poeta cabo-verdiano Daniel Filipe para o conhecer. Rapidamente se torna uma figura orientadora. É Filipe que motiva Cília a começar a militância pelo PCP e que lhe dá a ouvir os primeiros discos de Georges Brassens e Léo Ferré, incentivando-o a musicar poesia portuguesa e africana.
Com 21 anos, antes sequer de ser convocado para a guerra colonial, Cília consegue um passaporte e toma a oportunidade de viajar para Paris ao ajudar o “salto” de um médico (Rui Largo Antunes) que estava a dois dias de ter de embarcar para a guerra. Já em Paris, dos contactos que Cília retinha da rede do PCP, do Daniel Filipe, e da C.E.I., chega à residência do Inocêncio Câmara Pires (representante do MPLA). Ele conhece aí Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Mário Cesariny de Vasconcelos, entre outros, e por fim, Colette Magny. É Magny que o apresenta à Le Chant du Monde. Pouco tempo depois, estaria a gravar então o Portugal-Angola: Chants de Lutte (re-editado em 1973 com o título Meu País). O ponto de partida para o trabalho no disco foi o poema do Geraldo Bessa Victor O menino negro não entrou na roda.
Durante o seu tempo em Paris, Cília toca recitais pela cidade, participa em ações solidárias, e desenvolve a sua capacidade musical. Paco Ibañez apresenta-o a António Membrado, com quem teria aulas de guitarra, e em 1968 tem aulas de composição com Michel Puig, onde “começa do princípio” a estudar os clássicos. Puig, que tinha sido aluno de René Leibowitz (introdutor da música de Schoenberg, Webern, e Berg em França), ensinava sobre o método de Schoenberg (dodecafonismo). Há uma confluência de diversos contextos e ideias musicais interligados com a consciencialização política de Cília.
Em 1973 e 1974, as ideias amadurecem-se nos discos Contra a Ideia da Violência e a Violência da Ideia (Chant du Monde) e O Guerrilheiro (Orfeu), respectivamente. O primeiro introduz instrumentação além da guitarra, em formato de canção, à excepção da notável faixa-título a meio do álbum — uma peça no estilo de música contemporânea, à memória de Amílcar Cabral (assassinado em Janeiro de 1973). O álbum seguinte O Guerrilheiro — depois regravado e reeditado como Cancioneiro em 1982 pela Diapasão/Sassetti — é lançado “um bocado em contra-corrente do que aquilo que era comum no pós-25 de Abril”, a ultra-popularização do canto de intervenção. O disco sair nesta altura é tão intencional quanto circunstancial.
Cília tinha um interesse em trabalhar sobre música portuguesa antiga e, entre 1972 e 1973, com um apoio informal de Coimbra Martins (diretor do Centro Cultural Português da Gulbenkian), teve acesso à biblioteca da Gulbenkian para estudar os cancioneiros portugueses do séc.XIII/XIX. Por outro lado, tem o apoio técnico-musical de Bernard Pierrot — também aluno de Puig e membro do grupo de música antiga Les Ménestriers, que trata dos arranjos das canções. Entretanto, Arnaldo Trindade convida Cília para editar um disco pela Orfeu. Como também aconteceria na sua relação futura com a editora Diapasão/Sassetti, Cília mantinha “uma relação com as editoras absolutamente aberta”: avisava que tinha um disco preparado, a editora marcava o estúdio e ouviam apenas no final. Alheio a estas investigações correntes do músico, Trindade provavelmente esperava receber um disco classicamente político, que abordasse, de alguma forma, a conjuntura de Abril de 1974, como muitos o fizeram. Porém, a urgência de actualização e liberdade que a Revolução dos Cravos traz manifesta-se em Cília de uma outra forma. O seu compromisso político e artístico mantinha-se e abordar repertório de música antiga seria respeitar “que revolução não é só pão que rima com patrão, revolução é tudo aquilo que nos transforma, que nos torna melhor” (entrevista 2024).
A faixa-título O Guerrilheiro, canção popular alentejana de autores anónimos no meio de lutas civis do séc.XIX, é re-inscrita na história contemporânea como o hino da Intersindical, com uma nova letra escrita pelo musicólogo Mário Vieira de Carvalho. Acidentalmente, Cília torna-se autor de dois hinos históricos. O primeiro sendo o do PCP em 1967/1968: a pedido de Carlos Antunes, compõe uma canção para passar na rádio clandestina Portugal Livre e “só depois do 25 de Abril é que tomei consciência de que era o hino do Partido” (Público, 1993).
Chegado a Portugal, no mesmo avião que Álvaro Cunhal e José Mário Branco, Cília depara-se com um ambiente revolucionário, livre mas sectário. Crítico de triunfalismos políticos e do status quo do meio cultural, ele recusa ser um músico de partido ou “músico de intervenção”, declarando-se então como músico profissional. A atitude levantou acusações de ser um músico burguês. No entanto, estas acusações viriam de alguns músicos com salários mensais de casas de discos, enquanto que Cília era independente e organizava os seus próprios recitais com a sua esposa Judite (responsável por toda a parte visual e gráfica dos recitais e das edições musicais). Os recitais no Porto, por exemplo, eram organizados por Avelino Tavares, fundador da revista Mundo da Canção, com João Fernandes e Pedro Abrunhosa na equipa. Acrescenta-se a isto, a dificuldade de marcar concertos devido à crescente comercialização dos espaços, especialmente em Lisboa, e do público julgar a qualidade da música pelo valor do bilhete — era complicado participar num concerto solidário e pouco tempo depois promover outro a cobrar, algo normal e possível no seu tempo em Paris.
No final dos anos 80, Cília recebe menos apoio para produção discográfica. Os álbuns Sinais de Sena - a poesia de Jorge de Sena (1985) e Penumbra - a poesia de David Mourão Ferreira (1987) são gravados no Angel Studio do maestro Fernando Correia Martins e do engenheiro de som José Fortes. Cília paga aos seus músicos de sessão mas Fortes garante-lhe que “o estúdio só pagas quando venderes a fita.”
A cada disco feito, Cília mantém-se atento na sua abordagem musical e paulatinamente introduz o sintetizador e ambientes sonoros, e troca-se a guitarra por instrumentação electrónica e programação MIDI — de relevo as compilações de música instrumental para bailados Regra do Fogo (1988) e Bailados (1994).
Para breve, ainda em 2024, por via da editora Tradisom, chega-nos uma edição completa da sua obra musical, incluindo inéditos. Uma tarefa pendente, não só para Cília mas para vários outros, que cuida de reinscrever a sua música no presente. Anti-demagogo por feitio e comprometido com a sua perspectiva cultural e política, “a intervenção faz-se ao nível do sentimento também.”
Ao longo da carreira de Cília falava-se de um grau de marginalidade — ou porque era pouco conhecido, ou porque a sua poesia era difícil, ou porque a sua música era cerebral. Em julho passado, entrevistei o próprio em sua casa onde recontou este tipo de crítica e um sectarismo e dogmatismo vindo de alguns grupos de oposição ao Estado Novo. Em Novembro de 1970 organizou-se um espetáculo na Maison de la Mutualité com José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Tino Flores e o Cília. No início da sessão, um grupo distribuiu um panfleto com o título Chora, camarada, chora a acusar os músicos de serem coniventes com o regime em Portugal e um “folk-lore pequeno-burguês.” Com a intenção de boicotar o concerto, tentavam interromper os músicos. Cília tocou primeiro e alguém do tal grupo mandou a provocação “Ó Luís, o que tu cantas, essa poesia a classe operária não compreende!”; ao que ele responde “Tu compreendes?”; “Sim, eu compreendo”; “Sabes, os gajos são uns burros.” O tom sarcástico não foi bem recebido. Cília criticava um paternalismo pequeno-burguês que existia no final dos anos 60 e durante a década de 70, vindo “de certo estrato social, de certos intelectuais, que vêem as coisas divididas entre operários, trabalhadores, etc.”. As músicas não seriam difíceis de compreender nos círculos imigrantes em Paris ou, em 1975, quando participou nas campanhas de dinamização cultural do MFA. A sua música mantinha-se igual a si mesma: “Eu não divido o público em estratos sociais. Eu divido o público em sensibilidades. (...) Não tenho um repertório para Lisboa e outro para a província.”
Cília recorta o sentido de “marginal” no pré e pós-25 de Abril. Durante o Estado Novo, ele não se considerava marginal precisamente porque havia uma opção política, da qual ele era opositor — boicotarem ou proibirem a sua música era expectável. Nos anos após a revolução, é alvo de boicotes culturais que impacta a difusão da sua música e organização de concertos. Porém, o próprio os assumiu e confrontou ao longo do tempo sempre através de uma música crítica, atenta, romântica, humorística e uma dose de “desencanto cáustico" (Mário Correia, Mundo da Canção nº63, 1983). Essa tática, ou maneira de fazer, já vinha desde o início da sua carreira. Uma forma que ao longo dos anos se torna mais evidente e complexificada pelo acrescento de outras ferramentas técnicas e artísticas.
O primeiro disco Portugal-Angola: Chants de Lutte é editado pela prestigiada Le Chant Du Monde em 1964. São dezasseis canções gravadas ao longo de uma tarde num estúdio em Paris. É o primeiro a cantar sobre o colonialismo português e isso não surge em vácuo.
Nascido em Angola, Cília chega a Lisboa em 1959 para acabar o liceu e começa a frequentar a Casa dos Estudantes do Império, onde também cantava rock, principalmente, e compôs o hino informal rock-swing C.E.I. Twist. É no ambiente “ultra-subversivo” da C.E.I., por onde também passaram Mário Pinto de Andrade ou Agostinho Neto, que começa a tomar consciência do problema político. Em certo dia, o escritor Alfredo Margarido leva-o à casa do poeta cabo-verdiano Daniel Filipe para o conhecer. Rapidamente se torna uma figura orientadora. É Filipe que motiva Cília a começar a militância pelo PCP e que lhe dá a ouvir os primeiros discos de Georges Brassens e Léo Ferré, incentivando-o a musicar poesia portuguesa e africana.
Com 21 anos, antes sequer de ser convocado para a guerra colonial, Cília consegue um passaporte e toma a oportunidade de viajar para Paris ao ajudar o “salto” de um médico (Rui Largo Antunes) que estava a dois dias de ter de embarcar para a guerra. Já em Paris, dos contactos que Cília retinha da rede do PCP, do Daniel Filipe, e da C.E.I., chega à residência do Inocêncio Câmara Pires (representante do MPLA). Ele conhece aí Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Mário Cesariny de Vasconcelos, entre outros, e por fim, Colette Magny. É Magny que o apresenta à Le Chant du Monde. Pouco tempo depois, estaria a gravar então o Portugal-Angola: Chants de Lutte (re-editado em 1973 com o título Meu País). O ponto de partida para o trabalho no disco foi o poema do Geraldo Bessa Victor O menino negro não entrou na roda.
Durante o seu tempo em Paris, Cília toca recitais pela cidade, participa em ações solidárias, e desenvolve a sua capacidade musical. Paco Ibañez apresenta-o a António Membrado, com quem teria aulas de guitarra, e em 1968 tem aulas de composição com Michel Puig, onde “começa do princípio” a estudar os clássicos. Puig, que tinha sido aluno de René Leibowitz (introdutor da música de Schoenberg, Webern, e Berg em França), ensinava sobre o método de Schoenberg (dodecafonismo). Há uma confluência de diversos contextos e ideias musicais interligados com a consciencialização política de Cília.
Em 1973 e 1974, as ideias amadurecem-se nos discos Contra a Ideia da Violência e a Violência da Ideia (Chant du Monde) e O Guerrilheiro (Orfeu), respectivamente. O primeiro introduz instrumentação além da guitarra, em formato de canção, à excepção da notável faixa-título a meio do álbum — uma peça no estilo de música contemporânea, à memória de Amílcar Cabral (assassinado em Janeiro de 1973). O álbum seguinte O Guerrilheiro — depois regravado e reeditado como Cancioneiro em 1982 pela Diapasão/Sassetti — é lançado “um bocado em contra-corrente do que aquilo que era comum no pós-25 de Abril”, a ultra-popularização do canto de intervenção. O disco sair nesta altura é tão intencional quanto circunstancial.
Cília tinha um interesse em trabalhar sobre música portuguesa antiga e, entre 1972 e 1973, com um apoio informal de Coimbra Martins (diretor do Centro Cultural Português da Gulbenkian), teve acesso à biblioteca da Gulbenkian para estudar os cancioneiros portugueses do séc.XIII/XIX. Por outro lado, tem o apoio técnico-musical de Bernard Pierrot — também aluno de Puig e membro do grupo de música antiga Les Ménestriers, que trata dos arranjos das canções. Entretanto, Arnaldo Trindade convida Cília para editar um disco pela Orfeu. Como também aconteceria na sua relação futura com a editora Diapasão/Sassetti, Cília mantinha “uma relação com as editoras absolutamente aberta”: avisava que tinha um disco preparado, a editora marcava o estúdio e ouviam apenas no final. Alheio a estas investigações correntes do músico, Trindade provavelmente esperava receber um disco classicamente político, que abordasse, de alguma forma, a conjuntura de Abril de 1974, como muitos o fizeram. Porém, a urgência de actualização e liberdade que a Revolução dos Cravos traz manifesta-se em Cília de uma outra forma. O seu compromisso político e artístico mantinha-se e abordar repertório de música antiga seria respeitar “que revolução não é só pão que rima com patrão, revolução é tudo aquilo que nos transforma, que nos torna melhor” (entrevista 2024).
A faixa-título O Guerrilheiro, canção popular alentejana de autores anónimos no meio de lutas civis do séc.XIX, é re-inscrita na história contemporânea como o hino da Intersindical, com uma nova letra escrita pelo musicólogo Mário Vieira de Carvalho. Acidentalmente, Cília torna-se autor de dois hinos históricos. O primeiro sendo o do PCP em 1967/1968: a pedido de Carlos Antunes, compõe uma canção para passar na rádio clandestina Portugal Livre e “só depois do 25 de Abril é que tomei consciência de que era o hino do Partido” (Público, 1993).
Chegado a Portugal, no mesmo avião que Álvaro Cunhal e José Mário Branco, Cília depara-se com um ambiente revolucionário, livre mas sectário. Crítico de triunfalismos políticos e do status quo do meio cultural, ele recusa ser um músico de partido ou “músico de intervenção”, declarando-se então como músico profissional. A atitude levantou acusações de ser um músico burguês. No entanto, estas acusações viriam de alguns músicos com salários mensais de casas de discos, enquanto que Cília era independente e organizava os seus próprios recitais com a sua esposa Judite (responsável por toda a parte visual e gráfica dos recitais e das edições musicais). Os recitais no Porto, por exemplo, eram organizados por Avelino Tavares, fundador da revista Mundo da Canção, com João Fernandes e Pedro Abrunhosa na equipa. Acrescenta-se a isto, a dificuldade de marcar concertos devido à crescente comercialização dos espaços, especialmente em Lisboa, e do público julgar a qualidade da música pelo valor do bilhete — era complicado participar num concerto solidário e pouco tempo depois promover outro a cobrar, algo normal e possível no seu tempo em Paris.
No final dos anos 80, Cília recebe menos apoio para produção discográfica. Os álbuns Sinais de Sena - a poesia de Jorge de Sena (1985) e Penumbra - a poesia de David Mourão Ferreira (1987) são gravados no Angel Studio do maestro Fernando Correia Martins e do engenheiro de som José Fortes. Cília paga aos seus músicos de sessão mas Fortes garante-lhe que “o estúdio só pagas quando venderes a fita.”
A cada disco feito, Cília mantém-se atento na sua abordagem musical e paulatinamente introduz o sintetizador e ambientes sonoros, e troca-se a guitarra por instrumentação electrónica e programação MIDI — de relevo as compilações de música instrumental para bailados Regra do Fogo (1988) e Bailados (1994).
Para breve, ainda em 2024, por via da editora Tradisom, chega-nos uma edição completa da sua obra musical, incluindo inéditos. Uma tarefa pendente, não só para Cília mas para vários outros, que cuida de reinscrever a sua música no presente. Anti-demagogo por feitio e comprometido com a sua perspectiva cultural e política, “a intervenção faz-se ao nível do sentimento também.”